O
senhor António Estopa já era velhinho quando o conheci. Conhecia-o desde que me
lembro de conhecer gente para além da minha família mais chegada. Era o Serantone, e morava numa casa que, na
altura, também já era velha. Hoje, o Serantone
é apenas uma memória, e da casa restam as paredes arruinadas, uma porta
carcomida e sempre aberta e algumas telhas que o tempo ainda não levou.
Perto
da sua casa tinha um eido que ele e a mulher, Rosa, a Serrosa, cultivavam com esmero, e de onde colhiam as couves e o
feijão para a sopa, as uvas que lhes davam um vinho que era o seu orgulho e o
milho que lhes assegurava o pão de cada dia.
De
vez em quando, os netos, tinham muitos, vinham visitá-los. Depois foram para
França e só raramente por ali apareciam, deixando-os entregues à sua solidão.
A
mulher era pouco dada a conversas. Muito reservada, sempre metida no seu canto,
de casa para o eido, do eido para casa, só saía para ir à fonte por um
cântaro de água, ou para ir à poça lavar uma roupinha.
Talvez
a falta da água fosse motivo de angústia para o casal, pois era frequente
ver-se o Serantone, de enxada e
alvião em punho a esburacar os socalcos do seu eido em busca de uma mina que
lhe soltasse as águas que ele aí imaginava aprisionadas.
Quando
o tempo lhe sobrava das lides e da sua eterna busca da mina perdida, vinha
sentar-se ao pé de mim, num pequeno penedo que existia do lado exterior do
portão que dava acesso à minha casa. Era o meu local preferido para brincar e
era ali que ele me contava as mais incríveis histórias. E como eu gostava
daquelas histórias, mesmo que algumas me tirassem o sono, por nelas entrarem
bruxas, diabos e almas do outro mundo.
Depois
eu cresci, o Serantone ficou mais
velho, coisa que eu não sabia possível e, como deixei de brincar ao portão, ele
deixou de se sentar ao pé de mim a contar-me histórias.
Então
era eu a ir sentar-me ao pé dele, quando o via à soleira da sua casa, em busca
de uma réstia de sol, ou de uma sombra, conforme a altura do dia ou a estação
do ano.
Um dia
disse-me:
-Aqui
estou eu… à espera do tempo!
E
antes de me dar espaço para pensar que tempo seria esse que ele esperava, ou se
era afinal o fim dos tempos, no seu jeito lento e sábio, continuou:
-
Primeiro fica tudo muito verde, muito fresco, depois vêm as flores, as cores, os
cheiros, e eu sinto que não foi em vão que esperei para respirar aquela vida
toda… depois chegam os frutos, pequeninos primeiro, a engordar depois com o
calor, até se sentir o cheiro doce e embriagante do fruto maduro…. Espero
depois por outubro, quando o calor dói nas searas e chegam as novas cores.
Então, é ver as árvores a soltarem os últimos frutos que eu já não consigo
apanhar, por estarem tão altos, e acompanhar com o olhar as folhas tingidas de
cores outonais que se deixam cair de cansaço! É a natureza a despedir-se para
um merecido descanso… e eu espero até que acorde, de novo…
Não seriam bem estas as palavras, foram mais bonitas com certeza, porque as suas tinham uma poesia própria e natural! Quanto à voz, guardo a
memória da sua musicalidade, de tal modo que quase consigo ouvi-la quando olho
um fruto na árvore, e fico ali, parada, como que à espera que ele cresça, de repente,
para mim.
Soni
Esteves, maio de 2017
Tão doce, este conto!
ResponderEliminarAdorei, Soni!
Há esperas assim: doces, esperançosas e animadoras!
Obrigada pela doce partilha!
Desconheço porquê, mas a minha identificação não apareceu. Sou a Elisabete Gonçalves.😉
EliminarObrigada Elisabete, na verdade foi a doçura da personagem real que me inspirou a escrever assim. É a prova de que há pessoas inspiradoras. 😘
EliminarLindo o teu conto que, bem pode ser o meu, numa outra história .Não sendo igual remeteu-me mesmo assim para tempos de ternura. És fabulosa na forma como nos tocas o coração. Bj Guida
ResponderEliminarIsso é porque tenho a sorte de ter comigo pessoas inspiradoras. Tu sabes bem que és uma delas. Beijo
EliminarBzzz. Consegui.
ResponderEliminarTocante,Soni. As águas não apareceram na mina,mas encheram os meus olhos.
ResponderEliminarBenditas águas! Obrigada Ângela.
EliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarO Serantone é uma estrela cadente que risca os sonhos das noites e as aquece!
ResponderEliminarÉ uma bonita forma de o definir, obrigada.
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