O Rapaz do Caixote de Madeira foi o livro que escolhi para levar
comigo em viagem de fim-de-semana prolongado a Berlim. Pareceu-me interessante a
escolha, uma vez que ele é o relato autobiográfico de Leon Leyson e a sua
extraordinária vivência na Polónia ocupada pelos alemães em 1939, quando ainda não tinha completado os 10 anos e tinha como circunstância o facto de ser judeu. O livro
conduz-nos pelo universo do gueto de Cracóvia e mostra que na guerra, mais do
que em qualquer outra circunstância, os seres humanos revelam aquilo que têm de
pior e de melhor. A história deste rapaz cruza-se com a história de Oskar Schindler,
dado ter sido um dos afortunados que este conseguiu salvar das garras dos
nazis.
Não tenho a certeza de que a leitura, de si arrepiante e
comovente, tivesse tido em mim um impacto diferente daquele que teria se o
tivesse lido em Portugal. No entanto, talvez o ambiente onde a lembrança da guerra
está presente na memória coletiva, à mostra de todos nós, nos restos do muro,
nos memoriais e nos museus, fechados, ou a céu aberto, tenha desencadeado em
mim uma série de outras reflexões…
Por entre leituras, visitei, ainda, Postdam, uma pequena
cidade próxima de Berlim que ninguém diria ter sido arrasada durante a segunda
guerra mundial, tal o poder de reconstrução que ali se verifica! Nas cercanias
da cidade, o palácio imperial de Frederico, o Grande, o grande palácio
reservado aos hóspedes, os jardins, a casa de férias… tudo é grandioso e
completamente incompreensível para mim. Como poderia alguém viver assim no
século XVII, tão faustosamente, quando o resto do povo sobrevivia!
Então, veio-me à memória um conto de Marguerite Yourcenar
que, por sinal, foi lido há pouco tempo pelos meus alunos, A Fuga de Wang Fô. Conta-se
ali que um Imperador viveu toda a sua infância e juventude no interior de um
palácio, rodeado de obras de arte e quadros de Wang-Fô, um velho pintor. Esses quadros
mostraram-lhe um mundo fabuloso e prometiam-lhe uma realidade para lá dos muros
do palácio que ele ansiava conhecer. Quando descobriu que fora enganado, a sua
deceção foi tal que decidiu mandar matar o responsável por tal engano.
E eu pergunto-me se alguma vez Frederico, o Grande, terá saído do
seu palácio para ver com os mesmos olhos do Imperador de Yourcenar, se viu, de
coração aberto, a vida para lá daquela cerca, se viu a vida a acontecer.
E pergunto-me ainda, se hoje, os nossos políticos, quando
saem em peregrinação mediática, conseguem ver, ver de verdade, o povo que os
elegeu!

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