O Tempo fez de mim morada sua
Enfeitou de raízes e seiva, as paredes
Como um quadro.
Como um quadro.
Riu comigo e de mim,
Escondeu relógios e espelhos,
Veloz e arrastado,
Perdulário e avaro
Foi o tudo e o nada.
Encurtou-me os dias como se eu fosse
bainha rota
de vestido desusado,
Estendeu as horas com molas de roupa
E deixou-as ondular em noites de
insónia.
Jogamos aos dados
E ganhou sempre…
o Tempo.
Já não há andorinhas nos beirais,
E nas vidraças gastas já não espreita
o sol nas madrugadas.
O Tempo deixou aberta a porta de
tinta descarnada
Por sobre a soleira, onde o meu gato
(se eu tivesse gato)
Deveria descansar nas tardes
soalheiras.
Mas hoje a chuva fez regresso
E lavou nas telhas as cinzas quietas
das fogueiras do meu último inverno.
Já não faço corridas com o Tempo
De que serviriam…
Mas vou ensaiar o jogo dos dados
Talvez não ganhe, mas dou luta
E depois…
Talvez um gato me adote
Quem sabe…
E espere comigo pelo Tempo
Na soleira dos meus dias.
Soni Esteves, agosto de 2017

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