quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

UM LUGAR AO SOL SEGUIDO DE UMA MULHER e O ACONTECIMENTO, Annie Ernaux


      Se os prémios literários servem para alguma coisa, uma delas é, sem dúvida, fazer-nos descobrir outros títulos e outros autores. Pode ser ignorância minha, é com certeza, mas não conhecia Annie Ernaux, até ela ter ganhado o Prémio Nobel 2022. E como se pudesse penitenciar-me por tal desconhecimento, a minha última leitura de 2022 e a primeira de 2023 foram para ela.
     Comecei por Um lugar ao sol seguido de Uma Mulher, um livro que na verdade é composto por dois textos autónomos: Um lugar ao sol, publicado em 1984 e Uma mulher, publicado em 1988. Os dois textos são autobiográficos e constituem viagens pela memória da autora em torno das suas vivências, sonhos e fracassos, do seu legado familiar, das suas grandes perdas. Pode acrescentar-se que são também o retrato de uma época e da sociedade onde Ernaux cresceu e se movimentou. O primeiro é uma tentativa de reconstrução da memória do pai, o segundo é sobre a mãe.
       Quanto ao livro O acontecimento relata a sua experiência traumática quando, aos 23 anos, decide recorrer ao aborto ilegal, certa de que uma gravidez não planeada vai deitar por terra uma carreira que antevê brilhante. Em 1963, mesmo em Paris, percebemos pelo seu tom, pela clareza com que expõe o seu sofrimento, que o aborto clandestino é um experiência perigosa, socialmente condenada e profundamente traumática. A memória magoada desse acontecimento acompanhou-a ao longo dos anos, sendo que a escrita deste livro (1999) terá sido, de algum modo, uma libertação.
        A escrita é simples, sem artifícios, mas poderosa. A ler.

                                                                                                                    Soni Esteves, janeiro de 2023


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