segunda-feira, 8 de maio de 2023

ADEUS, PRETINHA.

     Adeus, Pretinha. Não sei quanto tempo viveste, sei que apareceste neste bairro há cerca de dezoito anos, pelo menos, e que o Corredor te adotou. Um cão que adota outro cão era coisa nunca vista, que apetecia seguir como se fosse uma novela de amor, e eu segui e contei em livro para que outros soubessem como é bonito o coração de um cão. 

    Depois, o Corredor partiu, e tu, fiel à sua memória e à amizade que vos prendeu tantos anos, continuaste a dividir-te, a dividir as manhãs e as tardes entre a "rua do Parque" e a "rua de Trás", entre a tua casa e a dele, entre as vossas casas, as casas que vos acolheram e vos ensinaram o sentido da palavra "Família". 

   Gostava de te ver a fazer o caminho, no teu jeito saltariqueiro de andar, sem te aperceberes, talvez, que eras a última daquela grande família "Os cães da minha rua", sem fazeres caso do teu papel de  heroína de novela. Bastava-te a importância que tinhas no coração daqueles que se cruzavam contigo e te dispensavam  um gesto ou uma palavra de carinho. Por vezes, quando te via sozinha, a cumprir o teu percurso diário, aquele que dantes costumavas fazer com o teu amigo ou ao encontro dele, eu  temia que pudesses ser atropelada, é que o teu ouvido já funcionava mal e o Corredor já não te podia proteger. 

    Hoje chegou ao fim o teu tempo, os teus órgãos cansados, imploraram por repouso. Gosto de imaginar que o Corredor te veio buscar e que agora estás com ele a fazer a grande festa do reencontro. Consigo ver-vos a fazer corridas no céu dos cães e a sentirem pena dos humanos, aqui na Terra, de um lado para outro, sempre tão atarefados nas suas vidas, sem tempo para aproveitarem o sol, encostados ao portão verde, ou à sombra das árvores do Parque como vós costumáveis fazer.

    Enfim, dou por mim a pensar que tenho a certeza de que foste feliz no nosso bairro e, por entre um sorriso triste, sinto um aperto maior no meu peito, por  não ter parado a minha lufa-lufa humana, de todas a vezes que te vi, só para te dedicar umas palavras e um afago.

    Adeus Pretinha.

                                                                                                                                                Soni Esteves, 8 de maio, 2023 


 

3 comentários:

  1. E como foi um privilégio de puder ter estes amores nas nossas vidas estes anos todos. Não ha gratidão suficiente que possamos transmitir-lhes o quanto foram especiais e amados. A pretinha como eu costumava dizer era "filha" de guarda partilhada, não só pela nossa familia e da família "da rua de baixo", como hoje sinto que por este bairro inteiro.
    Vai deixar uma imenda saudade e os dias neste bairro nunca mais serão os mesmos...
    Descansem em paz meus amores, agora irão correr os dois juntinhos como outrora fizeram ❤️

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    1. Que palavras tão bonitas! E o melhor de tudo é que não são apenas palavras, eu sei a família incrível que foram para aqueles "amores". Sei que os amaram da melhor forma, cuidando deles, cuidando para que nada lhes faltasse e, ao mesmo tempo, respeitando a sua liberdade, não os limitando pelo egoísmo, mas deixando que eles continuassem a ser, um pouco, filhos do bairro inteiro. Bem hajam por tão grande coração.

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  2. Amor... é única palavra que consigo dizer neste momento.
    Eu comecei por chamar -lhe Linda, depois adotei o diminutivo de Nini.
    Era um dos amores da minha vida.
    Ninguém pode imaginar a dor que sinto.
    Continuo o ritual de abrir a porta da rua para ver se está deitada na mantinha dela cá fora depois de um passeio higiénico á rua.
    Continuo a Olhar para o cantinho onde ela dormia sempre.
    Está a custar ultrapassar esta perda.
    Foi um familiar que partiu.
    Podem imaginar?
    Não!
    Ninguém imagina.
    Tenho tantas saudades tuas.
    Descansa em paz meu amor

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