É sabido que os livros se leem em todos os lugares, mas há alguns com sítio certo para serem lidos, como se fossem cenário da própria história e nos fizessem entrar nela de outra forma. Há dias fui à praia e levei comigo dois livros de Ana Paula Mateus “Sete histórias de Vento Salgado” e “Toda a água que nos une”. Não me enganei, não poderia tê-los lido em melhor lugar.
Os dois livros foram vencedores do Prémio Literário Fundação Luís Rainha, o primeiro em 2011 e o segundo em 2019. De acordo com o Regulamento, o concorrente deveria apresentar uma obra inédita — romance, conto ou poesia — cuja temática fosse a Póvoa de Varzim. A Ana Paula não se limitou a escrever sobre a Póvoa, ou a narrar um conjunto de estórias em que a cidade é cenário, a Ana Paula fez de cada narrativa uma carta de amor à cidade que é sua, “a cidade de mágicos entardeceres”.
As ruas e praças históricas, o chão, a areia branca não desfilam nas páginas destes livros, antes são moldura das vidas daquela gente que respira mar, vento, sol, chuva, que respira vida, ali, na cidade. O mar, sempre presente, num e noutro livro, ainda que nem sempre se consiga ver, é ventre, colo, cais, fome e abundância, fé e desespero, é memória, mas é sobretudo amor, mesmo quando acontece de ser abraço último. As nuvens são ventres carregados de chuva, o sol traz sorrisos, e o vento é companheiro, mensageiro, cúmplice, por vezes morno, quase terno.
Há naquelas estórias nostalgia, a incerteza que a todos habita em cada despedida e a alegria simples que experimentamos nos regressos aos lugares amados. E em cada frase, em cada estória, há poesia, como se a Ana Paula bordasse a alma da sua terra e das suas gentes com fios de lã vermelhos e negros, como o sangue e o amor, ou a negrura das noites de espera. Parabéns, Ana Paula.
Soni Esteves, Setembro, 2022
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