sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Depois da Saudade...

De repente, sair de casa deixou de ser tão divertido. Nos dias que se seguiram à partida do Castanho deitava-me na entrada do jardim e sentia o quanto a rua estava deserta. Primeiro sem o Remela, depois sem o Castanho…
O Branquinho há dias que não aparecia, acho que, definitivamente, não gostava das minhas brincadeiras com o Castanho e desistira de tentar sentir-se incluído. Pensei procurá-lo, seguir em direção ao parque, dado que a casa que lhe servia de morada ficava por detrás dele, mas lembrei a sua nova companheira, uma cadelinha linda de pelo malhado, e desisti. Talvez ela fosse, de algum modo, responsável pelo seu recente distanciamento. Não me importei, também não me apetecia alinhar em grandes confraternizações… ainda não estava pronto, alguma coisa em mim precisava de tempo para se alindar.
Dava-me conta de que estava diferente, mas não conseguia perceber o quanto, não me reconhecia, não sabia o que esperar de mim. Sem perceber bem porquê, dei por mim a imitar o Castanho, fazendo aquilo que nunca entendera nele… correr atrás de tudo o que tivesse rodas e fosse desconhecido no bairro. E foi assim que a saudade cedeu vez à estupidez.
Cada dia estava mais atrevido, sentia-me mais poderoso, não procurava vencer os automóveis, como o Corredor, queria impedi-los de passarem na minha rua. Por isso não limitava a minha corrida ao passeio, como ele fazia, rondava-lhes os pneus, tentava antecipar-me, cruzar a sua frente, fazer-lhes frente!
Um dia, a corrida acabou mal… uma distância mal calculada, uma guinada nervosa da condutora, que não pertencia ao meu bairro, marcou, definitivamente, a minha vida.
Valeu-me a tia Aida que estava perto e ouviu o chiar do automóvel quando tentou travar marcha, ouviu o meu pranto de surpresa e dor, e ouviu o seu próprio grito, nascido do sofrimento de me ver assim, consumido em gemidos lancinantes.
Levou-me ao colo para o veterinário, enquanto a Mimi nos conduzia, chorosa, ela também, e ali me deixaram ficar dias a fio. Os de minha casa revezavam-se nas visitas e eu a todos implorava que me levassem dali, mas em vão! Por vezes, acompanhavam-me num pequeno passeio pelas imediações da clínica, que me enchia de esperança, mas acabavam por me conduzir, de novo, ao ponto de partida. Cheguei a perder a esperança de um regresso a casa. Foram dias intermináveis, de solidão, impotência e dor!

Quando finalmente deixei a clínica, levei comigo um conjunto de ferros no interior da minha perna, uma espécie de chapéu enterrado no cachaço, que me impedia de lamber a pata acidentada, e a ausência de cauda. Como poderia então manifestar o contentamento de me sentir, finalmente, em casa?


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