terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Valter Hugo Mãe e o PNL

Somos, efetivamente, um país de comentadores! Talvez porque tenhamos vivido décadas amordaçados, passamos de um país de silenciados a um país onde ninguém quer perder a oportunidade de dar a sua opinião.
Isso até não seria mau, se os pareceres resultassem de uma análise, de uma reflexão consciente, se soubéssemos todos daquilo de que falamos  e não nos limitássemos a julgar, a atiçar fogos, a lançar mais uma acha para a fogueira, a espetar mais uma farpa em ferida aberta…
O nosso reino foi um dos livros de Valter Hugo Mãe que eu li, sim, sou uma admiradora da sua escrita. Nem todos gostam, está certo, ainda bem, gostos são gostos… No entanto, não vou aqui defender que os seus livros façam parte, ou não, do Plano Nacional de Leitura.
Não esqueçamos, porem, que O nosso reino é apenas recomendado, não obrigatório. Nunca até à actual polémica eu tinha tido conhecimento de que algum professor o tivesse escolhido como leitura autónoma, a aconselhar aos seus alunos do 3.º ciclo, confesso. Eu não o faria, mas nunca pelos motivos invocados em comentários descabidos e desinformados, como alguns que li nas redes sociais, por pessoas que, visivelmente, não conhecem o escritor e nunca leram o livro em causa. Se o tivessem feito verificariam que o contexto legitima a linguagem. Verificariam que, efectivamente, o universo de referência é pautado pela crueza de um Portugal estagnado, onde a inocência se perde sem rede. Verificariam, ainda, que a dureza não está apenas nas palavras, ou naquelas palavras em concreto, mas sobretudo na vivência rude das personagens que as proferem e na pobreza das suas existências. Por isso a sua linguagem é, também ela, desapiedada.
E é esse universo impiedoso e complexo dos livros de Valter Hugo Mãe que me impede de, algum dia, os aconselhar como leitura autónoma aos meus alunos do 3.º ciclo.  Porque essa leitura, para uma real apreensão, a ser feita por alunos desse nível de ensino, precisa, no meu entender, de orientação, e não porque neles apareçam meia dúzia de palavras “obscenas”, que, de resto, são, por eles, bem conhecidas! Quantos de nós, professores, não leram já bilhetinhos de alunos com linguagem muito mais escabrosa, e essa sim, descontextualizada e de intencionalidade duvidosa? 


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