domingo, 4 de fevereiro de 2018

Mais uma habitante na rua, mais uma amiga para o Kiko

Há coisas estranhas... acontecimentos que dizem de mim o que não sabia, que me ajudam a descobrir quem sou.
Todos dizem que sou um cão mimado, e é verdade. Adoro os mimos, reclamo-os a cada manhã e antecipo-me nos momentos da chegada a casa de algum dos meus. Devem ser para mim as primeiras atenções, se assim não for, eu protesto, isso faz parte de quem sou... gosto de ser o primeiro.
Mas há dias, algo mudou. E o melhor, é que nem sequer estou furioso...
Tudo começou ao final do dia, quando regressava da casa da tia Aida. Uma surpresa esperava-me...
Ao lado da mãe, segura entre os seus braços, estava uma cadela de pelo clarinho e bicolor. O seu olhar era doce e inseguro, tal como o dos meus humanos que, expectantes, nos olhavam, aguardando o nosso entendimento. Sei que temiam o pior, geralmente não acho muita piada aos cães que se aventuram a reclamar as atenções dos meus.
Mas algo me segurou... tudo se resolveu com a primeira onda de calor que se desprendeu do seu pequeno e frágil corpo. Desta vez seria diferente, e pude perceber o alívio daqueles que nos observavam. “É a Kika”, disseram, “uma amiga, uma companheira para o Kiko”. Assim seria, resolvi, enquanto percebia quem ela era.
O que mudou? Provavelmente nada... o que os meus humanos não contavam era que eu a reconhecesse. Não que a tivesse alguma vez visto. Mas quem precisa de ver, para sentir? Eu, que perdi um olho, como sabem, nunca vi tão bem!
A Kika era uma velha amiga, uma amiga que eu pressentia, desde há muito, nas roupas da mãe, em certos dias. Recordei também um certo aroma nas coisas da avó, quando nos visitava, era o mesmo. Sabia-a algures, à espera de se revelar. Esperava-a como se espera uma amiga. Porque “amigos dos meus amigos, meus amigos são”, não é verdade?
Hoje, a Kika vive comigo, reparto com ela o meu prato da comida e o da água, dei-lhe uma das minhas camas e um dos meus cobertores. Saímos juntos, a pé e no automóvel, e eu gosto de pensar que a protejo. Tornei-me até mais caseiro, não reclamo tanto a rua. É bom ter companhia, e a Kika é uma boa companheira.

Kiko, fevereiro, 2018



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