terça-feira, 31 de julho de 2018

CEBOLA CRUA COM SAL E BROA, Miguel Sousa Tavares


Sei que para muitos colegas meus, professores, é impensável ler Miguel Sousa Tavares, mas eu, que não sou fundamentalista, não recuso ler um livro só porque foi escrito por alguém de quem não gosto, da mesma forma que não tenho de gostar de tudo o que escrevem as pessoas de quem gosto. Deste senhor já li quase tudo e de quase tudo gostei, apreciei particularmente o romance Equador.
Cebola crua com sal e broa não me desiludiu, mas também não me encantou por aí além. O livro apresenta, na primeira pessoa, não necessariamente por ordem cronológica, episódios marcantes da sua vida e não há dúvida que MST tem uma vida cheia para contar.
Passou uma curta fase da infância longe dos pais, numa aldeia nortenha, frequentou uma escola rural, de onde transitou para um colégio jesuíta, viveu em plena juventude os anos de agitação política das universidades portuguesas e foi testemunha privilegiada do advento da democracia. Quanto à vida profissional, somou experiências! Os diferentes empregos prolongaram-se no tempo, de acordo com a máxima de que fez sempre aquilo que gostou e apenas enquanto gostou.
Ainda tentei, só por acaso, procurar uma razão para a reconhecida “má vontade” que ele parece ter contra os professores, mas, em bom rigor, não a encontrei. Não me pareceu que tivesse vivido algo de traumatizante, (mesmo que tenha escolhido para figurar numa das abas do livro o episódio que o fez “levar as primeiras reguadas da vida”), do mesmo modo que não encontrei o relato de nenhum caso escolar especialmente gratificante. Em contrapartida, a escola que ele valoriza, e bem, é “a escola alternativa”, aquela que a sua vivência, em circunstâncias tão especiais permitidas pelo seu berço, lhe proporcionou. Mas serão, talvez, as mesmas experiências que fizeram dele um homem que deixa transparecer nas suas palavras tanto de sensível, como de triste, de duro e arrogante e simultaneamente simples e terno. Por outro lado, aquilo salta à vista é o seu profundo desprezo pelo funcionário público, o “manga de alpaca”  que se limita a esperar pelo ordenado ao fim de cada mês, que, avaro, agarrado à máquina do estado como um parasita, suspira por ajudas de custo e anseia pela certa ascensão na carreira. A sua própria passagem pela função pública, pelo Ministério da Educação, pela RTP, nos anos de desbunda, terá influenciado esta sua leitura... mas não justifica tudo! O tempo das diuturnidades e outras regalias associadas à condição já lá vai!... No fundo, por mais desalinhado que MST possa parecer, talvez não passe de um “betinho”, cujas dificuldades foram vivenciadas, mais na perspetiva do observador do que do ator.
Ainda assim, gostei do livro, não só porque gosto da escrita dele, mas também porque é uma visão, ainda que seja a sua, sobre uma época de enormes alterações políticas, sociais e culturais em Portugal.   
Soni Esteves, julho de 2018



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