Sei que para muitos colegas meus, professores, é impensável ler
Miguel Sousa Tavares, mas eu, que não sou fundamentalista, não recuso ler um
livro só porque foi escrito por alguém de quem não gosto, da mesma forma que não
tenho de gostar de tudo o que escrevem as pessoas de quem gosto. Deste senhor já
li quase tudo e de quase tudo gostei, apreciei particularmente o romance Equador.
Cebola crua
com sal e broa não me desiludiu, mas também não
me encantou por aí além. O livro apresenta, na primeira pessoa, não necessariamente
por ordem cronológica, episódios marcantes da sua vida e não há dúvida que MST tem
uma vida cheia para contar.
Passou uma curta fase da infância longe dos pais, numa aldeia
nortenha, frequentou uma escola rural, de onde transitou para um colégio jesuíta,
viveu em plena juventude os anos de agitação política das universidades
portuguesas e foi testemunha privilegiada do advento da democracia. Quanto à
vida profissional, somou experiências! Os diferentes empregos prolongaram-se no
tempo, de acordo com a máxima de que fez sempre aquilo que gostou e apenas
enquanto gostou.
Ainda tentei, só por acaso, procurar uma razão para a reconhecida “má
vontade” que ele parece ter contra os professores, mas, em bom rigor, não a
encontrei. Não me pareceu que tivesse vivido algo de traumatizante, (mesmo que tenha
escolhido para figurar numa das abas do livro o episódio que o fez “levar as
primeiras reguadas da vida”), do mesmo modo que não encontrei o relato de
nenhum caso escolar especialmente gratificante. Em contrapartida, a escola que
ele valoriza, e bem, é “a escola alternativa”, aquela que a sua vivência, em
circunstâncias tão especiais permitidas pelo seu berço, lhe proporcionou. Mas serão,
talvez, as mesmas experiências que fizeram dele um homem que deixa transparecer
nas suas palavras tanto de sensível, como de triste, de duro e arrogante e simultaneamente
simples e terno. Por outro lado, aquilo salta à vista é o seu profundo desprezo
pelo funcionário público, o “manga de alpaca” que se limita a esperar pelo ordenado ao fim
de cada mês, que, avaro, agarrado à máquina do estado como um parasita, suspira por ajudas de custo e anseia pela certa ascensão
na carreira. A sua própria passagem pela função pública, pelo
Ministério da Educação, pela RTP, nos anos de desbunda, terá influenciado esta
sua leitura... mas não justifica tudo! O tempo das diuturnidades e outras regalias
associadas à condição já lá vai!... No fundo, por mais desalinhado que MST
possa parecer, talvez não passe de um “betinho”, cujas dificuldades foram vivenciadas, mais na perspetiva do observador do que do ator.
Ainda assim, gostei do livro, não só porque gosto da escrita dele,
mas também porque é uma visão, ainda que seja a sua, sobre uma época de enormes
alterações políticas, sociais e culturais em Portugal.
Soni Esteves, julho de 2018

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