sexta-feira, 13 de julho de 2018

FLOR DE BUREL, Flávio Monte


“Se conseguires ultrapassar as primeiras 30 páginas...”, disse-me o autor, e acrescentou que estas seriam o equivalente à subida do Monte Picoto. Ora, uma adepta de montanhismo como eu sabe que no final das maiores subidas está, quase sempre, uma paisagem à espera da nossa pausa, para o deslumbramento. Acontece que a subida foi, afinal, serena, ou então fui eu que me deixai fascinar à partida, como que à boleia naquele automóvel indolente, pelas terras do Barroso.
É preciso dizer-se que sou uma minhota dos quatro costados, mas devo ter mais um, que se estende, numa longa fatia, de Trás-os-Montes ao Alentejo, ou seja, adoro a paisagem interior, a gastronomia do interior e a sã interioridade das gentes locais. E foi isso que encontrei neste livro, mas não só.
Logo no início, o autor apresenta um preâmbulo a que chama “átrio”, como se nos convidasse a entrar na sua casa, e prepara-nos para um discurso representativo de uma herança cultural que recusa esquecer. E eu confesso que gostei de deambular pelas ruas de Montalegre de outros tempos, braço dado com Amélia, tentando entender-lhe os gostos, os gestos e as razões, que são um modo de ler um Portugal esquecido da primeira metade do século XX.
A poesia das palavras e o retrato idílico da paixão entre Amélia e Simão quase nos fazem esquecer o quanto esse Portugal era cinzento, severo e triste, contudo esse país está lá.  Estão presentes a dureza dos dias de inverno e dos de inferno, a abdicação, a subserviência, a tristeza dos enjeitados, dos mal-amados e a resignação dos que acreditam que não têm por que esperar. Porém, escolheu o autor, e ainda bem, enfatizar valores como a lealdade, a amizade, a coragem... e pintar a dureza com mantos de neve e de luar... talvez porque o amor inventa em nós esperanças que não há, condenando-nos a guardar, para sempre, connosco, flores de burel.
Soni Esteves, julho de 2018


2 comentários:

  1. Muito obrigado, Soni!

    São pétalas as palavras que dedicas ao meu primeiro menino. Só quem realmente lhe deu colo as poderia ter escolhido e casado assim.

    Comovem-me, estimada amiga, os teus atos, que tão generosamente te definem.

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    1. As "pétalas", Luís, são do teu jardim. Como bem sabes, há leituras que despertam em nós os sentidos todos e que, por isso, nos instigam a não guardar, escondido, esse sentir. Foi o caso.

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