quarta-feira, 11 de novembro de 2020

O ROMÂNTICO QUE LIA BUKOWSKI, José Ilídio Torres


A sinopse, tal como as primeiras páginas, não deixam margem para dúvidas, O Romântico que lia Bukowski, de José Ilídio Torres, mais do que um trabalho de imaginação, reflete experiências do autor. Mas será mesmo assim?

Na verdade, neste livro, nem tudo o que parece é. Comecemos pelo título. Uma leitura mais distraída pode levar-nos a aceitá-lo como literal, Carlos, o escritor, personagem principal, autor (a acreditar que este é um romance autobiográfico) é um romântico que traz para a sua vivência as leituras de Bukowski. No entanto, quem já leu Bukowski consegue perceber a subtileza do paradoxo que ele detém.

Num ritmo rápido, o autor conduz-nos por uma narrativa onde é visível a força influenciadora da obra de Bukowski. De tal ordem, que a sua voz vai fazer-se ouvir através de uma personagem, quer na linguagem bukowskiana, quer na visão crua e algo misógina das mulheres, ou na sua relação descomprometida e descomplexada com estas. Esta visão/vivência, aparentemente em choque com a perspetiva mais romântica de Carlos, fascina-o, acabando por ser determinante no desenrolar da narrativa.  Com efeito, Carlos vive, na relação com as mulheres, uma permanente dualidade, o romântico e o desencantado, o elogio da simplicidade e o fascínio da sofisticação. Numa sucessão de encontros, uns mais fugazes do que outros,  Carlos parece empreender uma busca de si mesmo, ou tão só da identidade perdida com o final de um amor ainda não resolvido.  

 Lendo o final poderoso e imprevisível deste romance,  recordei Haruki Murakami e a sua visão sobre a vida e a escrita. Diz ele que fez da literatura um salvo-conduto para se libertar da espécie de jaula em que todos vivemos. Esta pode ser valiosa e bonita, mas não deixa de ser uma jaula e, portanto uma prisão. Pois bem, fiquei com a impressão que também José Ilídio Torres fez deste livro o seu salvo-conduto. Para onde?
Leiam!

Soni Esteves, novembro, 2020












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