sexta-feira, 28 de março de 2025

FINALMENTE, TORMES

Deixei-me encantar por Eça de Queirós, quando, no ensino Secundário, lia, como todos líamos, as sebentas e os resumos sobre a sua obra, ao invés de nos debruçarmos sobre os livros, como era suposto. Curiosamente, aqueles textos que prometiam evitar o tormento de uma leitura que não queríamos fazer, acabou por despertar em mim uma curiosidade que me levou não só à leitura de "Os Maias", mas a aventurar-me por outros livros do mesmo autor, todos aqueles a que pude deitar mão e olhos.

De tal maneira me tornei numa admiradora de Eça que, mais tarde, quando já a trabalhar pude dispor de dinheiro ganho por mim, comprei a coleção completa das suas obras, em encadernação de capa dura, que figura, orgulhosamente, numa das minhas estantes. 

À medida que o descobria, mais me apetecia descobrir. Li-o e li sobre ele, vi séries televisivas, fotografei a casa onde viveu na Póvoa de Varzim, e até falei dela num dos meus contos, no livro “Brisas” . Interessavam-me as suas vivências, talvez por descobrir que, não raramente, os episódios da sua vida se misturavam com a sua ficção.

Mas só por estes dias, numa viagem por terras de Baião, ao deparar-me com a placa indicativa da localidade de “Tormes”, resolvi não adiar mais a visita que se impunha.

Gostei muito. A visita guiada à Casa de Tormes, hoje convertida na Fundação Eça de Queirós, conduziu-nos por referências tão vivenciais quanto ficcionais, já que as estadias de Eça por Tormes terão sido sempre de passagem, o que não o impediu de se confessar encantado pela paisagem que se impõe, ainda hoje, perante o nosso olhar cansado de cidade. 

Na casa repousam alguns dos seus bens,  aqueles que a família conseguiu reunir, alguns trazidos da sua casa de Paris, onde faleceu em 1900. Existem peças de mobiliário, pratas, vários objetos pessoais... e é neste contacto com os objetos que ele tocou, perante os livros que leu, a mesa onde escrevia, os aparos e o tinteiro que usou, que não pude deixar de me emocionar.

Saí dali com um propósito: reler “A cidade e as serras”. Confesso que não foi dos meus livros preferidos, mas, depois desta visita, lê-lo-ei com outros olhos e tenho a certeza de que vou adorar.



segunda-feira, 15 de julho de 2024

LANÇAMENTO DO LIVRO "BRISAS"

 



No dia 5 de julho de 2024, na sede da Fundação Luís Rainha, na Póvoa de Varzim, foi realizado o lançamento do livro "Brisas", vencedor do Prémio Dr. Luís Rainha/Correntes d'Escritas 2023.
Na mesa, para além da autora, estavam presentes o vice -presidente e vereador da cultura do Município, Dr. Luís Diamantino, o presidente da fundação Luís Rainha, Dr. Inácio Sousa Lima, e a escritora Ana Paula Mateus, que apresentou o livro.
Foi uma sessão muito participada, a sala encheu e, num ambiente animado e descontraído, ainda houve tempo para as fotografias da praxe e, claro, os autógrafos, antes do jogo de Portugal. Sim, estávamos em pleno Europeu e Portugal jogava nesse dia, contra a França. Infelizmente perdeu, por 5-3, nos penaltis, constituindo a única nota negativa do dia.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Voltar às raízes em tempo de presépios

Ontem voltei a Sobreposta, a terra dos meus avós paternos, onde vivi até aos oito anos. Nessa altura, os habitantes dos lugares de cada freguesia eram uma espécie de família alargada. Ainda são, a julgar pelos presépios que se podem observar em cada um deles, e que foram fruto de construção coletiva. Diferentes na forma, no tamanho, na técnica ou materiais, são, contudo, iguais no propósito que está por trás da construção de cada um: o fortalecimento da união, de que o presépio é, afinal, símbolo máximo.

E, surpresa das surpresas, num daqueles lugares ardia uma fogueira (desde manhã, disseram), que iluminava o presépio e, perto dele, como se fossem figuras daquela representação icónica, estavam os seus fazedores, em volta de uma mesa, para a qual fomos convidados. E assim, simplesmente, repartiram connosco o pão o vinho e o bolo-rei e pusemos em dia velhas lembranças, porque há sempre alguém que recordamos e há sempre alguém que lembra quem somos e de onde viemos.

Senhora Presidente da Freguesia de Sobreposta, a sua ideia colhe frutos, oxalá daqui a muitos anos esta seja mais uma tradição enraizada e se continue a repartir o pão, o vinho, os braços e os abraços.

Os lugares de Sobreposta estão mais bonitos. Parabéns!


quinta-feira, 31 de agosto de 2023

OS FLAMINGOS TAMBÉM CHORAM, Miguel Jesus e A LEI DO AMOR, Laura Esquível

Acabei de ler “Os Flamingos Também Choram”, de Miguel Jesus, “um romance para ler e ouvir”. Com efeito, ao longo das cerca de trezentas páginas, podem ser ouvidas canções da autoria do mesmo, porque surgem na história com um código QR, permitindo-nos ouvi-las enquanto lemos. 

Esse facto fez-me recordar um livro que li em 2001 (sei isso porque anoto em todos os meus livros a data da aquisição e primeira leitura). Trata-se de “A Lei do Amor”, de Laura Esquível. Nesse caso, mais do que a história — que já não recordo muito bem mas sei que na altura me agradou bastante —, ficou comigo a música. O livro vinha acompanhado de um CD que ouvia enquanto lia e ouvi-o muitas vezes depois disso. Mais tarde, deixei de o fazer, as plataformas digitais impuseram-se também na forma de ouvirmos música. No caso presente, “Os Flamingos Também Choram”, basta orientar o telemóvel para o código QR enquanto lemos. Na verdade, não o fiz muito, as letras distraíam-me, contudo gostei de ouvir as doze canções nos intervalos da leitura. Quanto à narrativa, achei-a muito agradável, com um bom ritmo e muito interessante no modo de apresentar o desenrolar dos acontecimentos.



sábado, 27 de maio de 2023

AS PRIMAS, Aurora Venturini




    Este é um livro diferente e desconcertante, quer no enredo, quer na linguagem, quer no estilo. 
    A narradora apresenta, na primeira pessoa, a sua família como se de um desfile circense de aberrações se tratasse. É nesse ambiente disfuncional, violento e desgraçado que ela cresce e se faz mulher, assumindo-se ela própria como “deficiente”, ou “anormal”, mais uma para a galeria das aberrações que constitui a sua família. No entanto, a par da sua disfuncionalidade, espreita algo de genial que faz dela um ser diferente e admirado.
    O livro é uma verdadeira pedra no charco cuja água lodosa nos salpica e deixa marca.
    A ler.
                                                                                                            Soni Esteves, maio de 2023

segunda-feira, 8 de maio de 2023

ADEUS, PRETINHA.

     Adeus, Pretinha. Não sei quanto tempo viveste, sei que apareceste neste bairro há cerca de dezoito anos, pelo menos, e que o Corredor te adotou. Um cão que adota outro cão era coisa nunca vista, que apetecia seguir como se fosse uma novela de amor, e eu segui e contei em livro para que outros soubessem como é bonito o coração de um cão. 

    Depois, o Corredor partiu, e tu, fiel à sua memória e à amizade que vos prendeu tantos anos, continuaste a dividir-te, a dividir as manhãs e as tardes entre a "rua do Parque" e a "rua de Trás", entre a tua casa e a dele, entre as vossas casas, as casas que vos acolheram e vos ensinaram o sentido da palavra "Família". 

   Gostava de te ver a fazer o caminho, no teu jeito saltariqueiro de andar, sem te aperceberes, talvez, que eras a última daquela grande família "Os cães da minha rua", sem fazeres caso do teu papel de  heroína de novela. Bastava-te a importância que tinhas no coração daqueles que se cruzavam contigo e te dispensavam  um gesto ou uma palavra de carinho. Por vezes, quando te via sozinha, a cumprir o teu percurso diário, aquele que dantes costumavas fazer com o teu amigo ou ao encontro dele, eu  temia que pudesses ser atropelada, é que o teu ouvido já funcionava mal e o Corredor já não te podia proteger. 

    Hoje chegou ao fim o teu tempo, os teus órgãos cansados, imploraram por repouso. Gosto de imaginar que o Corredor te veio buscar e que agora estás com ele a fazer a grande festa do reencontro. Consigo ver-vos a fazer corridas no céu dos cães e a sentirem pena dos humanos, aqui na Terra, de um lado para outro, sempre tão atarefados nas suas vidas, sem tempo para aproveitarem o sol, encostados ao portão verde, ou à sombra das árvores do Parque como vós costumáveis fazer.

    Enfim, dou por mim a pensar que tenho a certeza de que foste feliz no nosso bairro e, por entre um sorriso triste, sinto um aperto maior no meu peito, por  não ter parado a minha lufa-lufa humana, de todas a vezes que te vi, só para te dedicar umas palavras e um afago.

    Adeus Pretinha.

                                                                                                                                                Soni Esteves, 8 de maio, 2023 


 

segunda-feira, 3 de abril de 2023

UM RASTO DE PERFUME, Ana Paula Mateus



  Gostei tanto de ler este livro! Julgo que apenas uma alma feminina poderia escrever assim sobre mulheres, compreender as suas múltiplas facetas, compor o amor e a amizade no feminino, com tanta verdade. 

   É um livro pouco extenso, mas conta uma grande história onde cabem cinco mulheres muito diferentes, cada uma delas carregando um passado que lhes moldou o presente sem, contudo, o condenar a qualquer sorte de resignação ou desistência. 

   A linguagem é límpida, despretensiosa, muito perto do coração, mesmo quando mordaz ou crua, e ajuda-nos e vestir as personagens que, às tantas, apetece ter como amigas.

   O livro impeliu-me a uma leitura compulsiva e a lamentar o fim que via aproximar-se no encolher das páginas por desfolhar. O desfecho não desiludiu. Apesar de quase inevitável, consegue ser surpreendente.

   Parabéns, Ana Paula Mateus.