terça-feira, 9 de maio de 2017

Dias de cão: O meu lado perfeito

Há dias, ouvi os meus humanos falarem de um tema que, inicialmente, pensei dizer-me respeito. Diziam que cada pessoa, se a imaginarmos dividida ao meio, não tem as duas metades, simetricamente, iguais. E, como se tal imperfeição não bastasse, tem uma metade mais perfeita do que a outra.
Imediatamente pensei no meu caso e nas duas metades de mim, onde, de facto, as diferenças são evidentes. Mas nem sempre assim foi…
Nasci perfeito. Quando era pequenino tinha dentes maravilhosos, afiadinhos e todos dentro da boca. E dois olhos lindos, lindos! 
Depois, os dentes cresceram e dois deles deixaram de caber dentro da minha boca, um de cada lado e um mais saído do que o outro. Terá começado aí o desequilíbrio na minha lindeza!
Já essa anomalia se manifestara, quando, um dia, uma dor lancinante atravessou toda a minha cabeça, e um peso avassalador se apoderou do meu olho esquerdo, tanto que, por instantes, o mundo desapareceu dos meus olhos e ficamos sozinhos, eu e a minha dor.
Nesse dia e nos seguintes, os episódios repetiam-se, cada vez mais frequentemente. Os meus humanos foram-se apercebendo do isolamento que procurava, da falta de apetite que me impedia de responder ao apelo do bife mais suculento, e estranhavam a minha apatia perante os convites para a brincadeira.
Entretanto, perceberam o meu olhar baço e lacrimejante, e o veterinário foi a minha paragem seguinte. E não foi um, foram vários os que me examinaram, tal como foram vários os exames realizados.
O veredicto foi terrível! Tinha glaucoma… a cegueira parecia inevitável. Foram duas as intervenções: uma a tentar salvar-me o olho, outra para mo retirar. Estava cego do olho esquerdo! Agora, havia que cuidar do único que me restava.
Passei, então, a adotar uma nova rotina. Eu gosto! Diariamente, após o meu passeio matinal, quando regressamos a casa, a mãe diz “vamos por a gotinha”. Eu acerco-me dela, ponho-me a jeito, e deixo que um líquido fresco e leitoso repouse no meu único olho, que ofereço, muito aberto. Depois, fecho-o e deixo que o líquido se espalhe e acalme a pressão acumulada.
E foi ponderado tudo isto que pensei: terei também um lado perfeito?
Mas quando ouço os meus humanos chamarem-me “cão lindo”, “Quiquinho lindo”… percebo que o meu lado perfeito não é o esquerdo nem o direito, o meu lado perfeito está no olhar de quem gosta de mim.



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