Há dias, quando preparava a introdução ao estudo da obra vicentina
O Auto da Barca do Inferno, e
reconhecendo no local onde leciono uma população com profunda tradição católica
– todos os meus alunos frequentam, ou frequentaram a catequese – perguntei-lhes
se sabiam quais eram os “pecados capitais”.
“Eu sei, eu conheço!” - dizia uma aluna, em euforia, quase
gritando, de dedo no ar. Explicou que os sabia, por causa da Casa dos Segredos.
“E depois dizem que não se aprende nada com a Casa dos Segredos!” –
acrescentava.
“Na Casa dos Segredos?” – a minha voz denunciava descrença, e ela
insistia, com mais vigor “Sim, sim, porque os concorrentes, quando entram na
casa, levam um segredo oculto que tem de ser um pecado capital.” Os colegas
faziam coro, era verdade, sim senhor!
Estava visto que todos, ou quase todos, viam a Casa dos Segredos,
faltava saber se, de facto, isso os conduzira a conhecimento que valesse a pena...
E conduzira sim... eles ali desfiaram, com maior ou menor hesitação... ira, luxúria, preguiça, orgulho, avareza, gula e inveja.
Mas, conheceriam eles o verdadeiro significado daquelas palavras?
Todos garantiam que sim.
Começaram as explicações, mas a discussão estalou logo no segundo
pecado avançado, a luxúria, uma vez que,
sem exceção, todos consideravam que cometer o pecado da luxúria era viver
rodeado de luxo.
“Não é luxo? Então não é luxo+úria?”
“É luxo sim senhora! É luxo, porque eu vi na Casa dos Segredos!” –
dizia, de dedo em riste, aquela que me parecia ser a maior fã do citado
programa televisivo.
“E que facto que te deu essa certeza?” – perguntei, entre o
curioso e o irritado, perante uma insistência tão descabida.
E cheia de convicção, sempre de dedo apontado, explicava: “É luxo porque a rapariga que entrou na casa com
esse segredo tinha três homens ao mesmo tempo! E isso é um luxo!”
Claro que me ri... como eles se riram, depois de terem sido
esclarecidos acerca do verdadeiro significado do “pecado capital” em questão.
Não tenho dúvidas que o identificarão em algumas das personagens do auto cuja
análise, entretanto, iniciaram, tal como não duvido que reconhecerão, sem dificuldade,
a atualidade da obra vicentina!
Soni Esteves,
maio 2018

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