terça-feira, 28 de abril de 2020

Quarentena

Por estes dias, as casas têm paredes pintadas com a cor da ausência, e sombras que pesam na curva densa das horas. E dentro delas, há sorrisos mornos que carregam um espanto desolado.
Nas janelas, os silêncios embaraçam os olhos orvalhados, incrédulos na rua esvaziada de rumores contentes, feitos só de simplicidade e liberdade.
E é tão triste agarrar a vida por dentro das cortinas descerradas, das máscaras... somos prisioneiros do medo e estamos sós.
Há um gato, somente um gato a vaguear na rua vazia, frente às casas quietas.  É branco e negro, o gato, como estes dias. E ele, o gato, parece saber que detém em si a ausência de cor das gentes, e a confluência de todas as cores que a natureza ostenta, vibrante, poderosa. Por isso se passeia, a encher a rua, branco e negro, altivo e lento, dono do tempo.
Se ao menos um raio de sol não entrasse, distraído...  não me traria o eco perdido do rir de uma criança, o cheiro do mar, o ar doce dos montes floridos... e talvez o silêncio fosse apenas nada.
Soni Esteves, abril 2020

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